25 de set. de 2007
Relato Do Edu- Rio de Janeiro
Passei o domingo com um olho na estrada e o outro na cadência do ciclocomputador. Descobri que passei a maior parte do dia pedalando a 80 RPM (rotações por minuto). Como pedalei mais de 10 horas... foram cerca de 50 mil pedaladas...
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Pedalar 50 mil vezes num dia não é novidade pra mim, nem mesmo os 200 quilômetros são novidade. Ah, mas um randonneur sabe que há muito mais por trás de um evento desses que simplesmente números. Pedalar grandes distâncias pode ser fácil e até mesmo entediante se você o fizer numa ergométrica, mas na estrada... pode ser tudo, exceto fácil e entediante...
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Há quase dois meses decidi me inscrever no Audax 200 de Porto Alegre, que ocorreu 18 de outubro passado. Porto Alegre é minha terra natal e ainda tenho muitos parentes lá: vó, tias e primas. Seria uma oportunidade de participar do Audax e visitar a família. E mais, seria a oportunidade de conhecer as provas de outro clube, além do Audax Rio e do Audax de SP, dos quais já participei. O RS é o estado com mais provas no Brasil e que sempre tem grande número de inscritos em cada uma. A organização é cuidadosa e devido ao grande número de inscritos, eu, como ex-organizador, tenho uma curiosidade pra ver como fazer funcionar um Audax com quase duzentos inscritos.
Fui pra lá na quinta à noite. Coloquei a bicicleta no mala bike e embarquei sem problemas ou taxas num vôo da Webjet. Acho importante divulgar as empresas que levam bicicletas numa boa. Meu amigo Thiago foi no sábado de TAM e nem precisou de mala bike. Eles mesmos ensacam a bicicleta pra não arranhar a pintura.
Na sexta montei a bicicleta calmamente, algo importante pra evitar problemas de última hora. Nessa montagem descobri que o suporte do ciclocomputador estava de cabeça pra baixo. hehehehe. Também fiz a cuidadosa montagem dos paralamas. Embora muitos achem que é um peso extra desnecessário, especialmente porque a previsão era de sol, o clima é muito instável no sul e poderia mudar.
Durante o briefing no sábado e a prova no domingo fui descobrindo que a minha GT com longos paralamas estava sendo admirada por vários
participantes.
Por falar em briefing, que é o nome em inglês pra reunião técnica antes da largada, este foi realizado no sábado o que é ótimo pra evitar correria no dia da prova e ainda nos permite dormir mais um pouco antes da largada.
Havia apenas 100 dos quase 200 atletas inscritos, mas foi o suficiente pra lotar a salinha no Shopping DC Navegantes. A reunião foi boa, com informações importantes, especialmente para os 'estrangeiros' e rápida. Um pouco antes recebemos o kit da prova com plaquinha reutilizável (servirá para até 4 provas da Sociedade Audax de Porto Alegre), cartão de rota, passaporte e saquinho ziploc pra proteger os papéis do suor e da eventual chuva.
A essa altura já havia um intenso burburinho de atletas, parentes e voluntários conversando sobre tudo, realmente uma celebração do ciclismo de longa distância. Estava me sentindo muito bem e confiante para o dia seguinte.
Como estava visitando a família declinei do Jantax (mais uma oportunidade de socializar com a galera) e fui com o Thiago pra casa da minha vó. Fizemos um lanche e deixei tudo preparado pra dormir o máximo já que tivemos que adiantar os relógios pro horário de verão. Perdemos uma hora de sono, um mau começo. hehehehe
O dia amanheceu frio, Porto Alegre não chegou ainda na primavera, comemos algo e partimos. No caminho, conforme marcado na véspera, encontramos o reclineiro Raul e sua M5. Mas sabia eu que sua posição deitada naquela bike seria a melhor pedida do dia...
Estava escuro mas no caminho já íamos sendo saudados por outros participantes e voluntários indo de carro pro Shopping DC Navegantes. Ao chegar lá festa completa, com direito a música e tudo mais. Fiz a vistoria e deixei minha bicicleta no parque fechado pra começar a fazer fotos e vídeos daquele baita evento.
A hora da largada foi chegando e precisei ir ao banheiro. Cogitei não ir, mas pagaria um preço alto depois. Fui e acabei perdendo o momento mágico da largada. Ainda bem que filmaram. Quando peguei a bicicleta já era o último, mas ainda deu pra ver aquela massa de bicicletas saindo do shopping. Segui no meio da galera, alguns conversavam alegremente, outros não escondiam a tensão. Chamava atenção a Margot,
que podia ser mãe de muitos ali e seguia firme numa caloi super simples, com a bolsa a tiracolo num ombro e, pasmem, o outro braço ia imobilizado. Isso mesmo, ela estava pedalando com apenas um braço. O melhor de tudo, já adianto, a história dela teve um final feliz.
Fiz fotos nas pontes e encontrei o Lazary, que eu só conhecia através das histórias. Fiquei ao seu lado por um bom tempo, uma simpatia. Contou-me várias histórias de suas provas, inclusive do famoso Paris - Brest - Paris de 2007. Mais à frente lá pelo km 50 nos distanciamos. Segui firme, com um leve vento contra. Nessa parte conheci o Maurício que seguiu comigo quase até o PC 1 no km 77. Ao chegar lá, uma fila! Como não sou apressado encostei minha bicicleta e esperei calmamente pra ser 'atendido' pelos voluntários. Ia tirando fotos e papeando com um e com outro. O pessoal foi rápido, ainda na fila pegaram meu passaporte e minha garrafinha de
água. Enquanto esperava ganhei banana e barrinha. Mais um pouco e chamam meu nome, recebo o passaporte carimbado e a garrafinha cheia. Fiquei embasbacado com o atendimento. Isso tudo foi feito sem atropelos, parecia que tinha sido ensaiado.
Saí do PC 1 para fazer os 30 km até o PC 2 e neste trecho segui a maior parte do tempo sozinho. Fiquei impressionado quando comecei a cruzar com alguns ciclistas já voltando do PC 2. Eles estavam 50 kms na minha frente. Uma pena, não devem ter notado algumas das belezas dessa estrada como lindas flores amarelas por vastos campos e boa variedade de passarinhos cantando.
Começaram umas subidas e um certo calor. Isso tudo trouxe uma sensação de cansaço, mas ainda tolerável. O PC estava demorando a chegar e algumas das longas descidas, muito gostosas, me alertavam que na volta seriam longas subidas, muito penosas.
No PC 2, o Pesque Pague Panorama encontrei o Thiago que estava pelo menos meia hora na minha frente. Ele já estava pronto pra recomeçar a pedalada. Neste PC mais um momento de festejo. Era a metade do caminho e a recompensa seria uma refeição quente. Vários ciclistas conversavam animadamente, alguns descansavam e muitos ainda comiam. Passaporte carimbado pulei da fila do carimbo pra fila do 'rango'. Escolhi a
opção molho de frango pra minha massa. Estava uma delícia. Comi calmamente, conversando com parceiros de estrada. Havia um ótimo astral e as piadas e brincadeiras saiam fáceis. Mal sabíamos nós que a estrada nos reservava 'mau tempo'.
Acabei de comer, bati umas fotos, escovei os dentes (a sensação é ótima) e optei por não descansar. Recomecei a pedalada lentamente, pois estava de barriga cheia e sabia das subidas que me aguardavam. A tática foi acertada, mas não o suficiente para diminuir o perrengue que o forte vento contra impôs. Cruzei com a Margot, ela estava a uns 10 kms do PC, gritei alto algumas palavras de incentivo e ela sorriu de volta. Sua fibra empolga, mas pra mim o vento era mais forte. Num determinado momento desisti de lutar e passei a pedalar sem compromisso, passeando, tirando fotos, filmando. Parei algumas vezes pra fotografar e assim fui levando. Me abasteci de água e de um energético no posto onde foi o PC 1. A partir dali, com 130 km de
prova e um forte vento, a diversão quase acabou.
Passei horas debruçado no guidão pra diminuir o arrasto. O PC 3 no km 153 não chegava nunca e o céu já não tinha nuvens pra esconder o sol. A minha média total em movimento, que até o km 107 estava em 22,8 km/h caiu pra menos de 20 km/h. Estava com boa folga dentro do limite mínimo de 15 km/h, mas o impacto psicológico da queda de rendimento é péssimo.
Quando finalmente cheguei no PC 3 no km 153 eu estava realmente cansado. O peso de não ter treinado já estava incomodando muito. Já não sentia vontade de comer nada, mas sentei sem pressa e traçei um pacote de batata frita com suco de pêssego, pois era o que me dava vontade. Fiz algum alongamento e parti. Melhor acabar logo com isso. A essa altura já tinha enfrentado quase 50 kms de vento contra, o que podia ficar pior? A resposta: o vento. Ficou ainda mais forte. Pra piorar a estrada ficava num platô e a ventania pegava no peito sem clemência. Fazer um pelotão era inútil pois era um vento lateral.
Mesmo assim pedalei um tempo com o Jarbas, outra bela história. Depois de escapar de um feio acidente de moto há 4 anos, ele teve atrofia severa na perna esquerda. Começou a pedalar por recomendação médica e estava estreando no Audax. Sua fisionomia era cansada e ele já tinha cogitado desistir, mas havia um quê de perseverança em seu olhar, apesar das dores no joelho. Perdi o Jarbas de vista até o pedágio da CONCEPA onde eu tinha parado pra descansar e papear. Quando o vi chegando tive a certeza de que ele completaria. Eu estava certo. Horas depois posei pra foto com ele e sua bela Haro Vector roxa na chegada ao Shopping.
O papo na CONCEPA estava ótimo, mas era preciso prosseguir. O sol já ia embora e o vento não. Pouco antes de entrar na BR 290 um momento de tensão. Cansaço no auge, vento inclemente, água quente, dores nos cotovelos... e com mente meio confusa, erro a marcha e o pé escapa do clip. O rápido desequilíbrio alerta: no fim da prova todo o cuidado é pouco.
Mas ao virar na BR 290 o alento: o vento passou a ser de popa. Impossível segurar o sorriso, muito menos o ânimo. Acelero e mantenho confortáveis 25 km/h. O trânsito aumenta, mas a estrada é boa, com um acostamento lisinho. Pouco antes da primeira de três pontes que fazem a chegada a Porto Alegre eu paro por orientação dos voluntários. O local é meio perigoso e o melhor é passar em grupo. Quando já somos 5
partimos juntos, no melhor estilo audax, um ajudando e cuidando do outro.
A essa altura o frio chegava rápido pois o sol já estava se pondo. Passamos sem problemas pela pontes, apenas uma era estreita e movimentada. Daí vira aqui e ali, por sorte orientado por um gaúcho experiente que conhecia bem o caminho e logo chegamos os 5 juntos, num lindo pôr-do-sol pra fechar com chave de ouro e em 12 horas e meia mais um duro desafio do ciclismo de longa distância. Na chegada não
havia dores nem cansaço, mas uma felicidade legítima. Comemorei. O barato do Audax é que todos são vencedores (há aplausos em cada chegada), até os que precisam abandonar a prova. A coragem de largar já é digna de reconhecimanto. Parabéns a todos os que participaram, dos voluntários e organizadores aos atletas. No conjunto da obra o mérito das grandes realizações é de quem faz, apóia e confia.
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Depois da chegada lavei o rosto, falei com a família e me sentei pra esperar a Margot. Tava frio, eu tava cansado e com fome, mas fiquei. Afinal de contas não é todo dia que se está diante de um verdadeiro momento grandioso do esporte. Deram a notícia de que ela já estava nas pontes e que chegaria a tempo de brevetar. Mas isso demorou demais. Já estava na fila (mais uma! hahahaha) da medalha e do certificado quando toca mais uma vez a musiquinha da chegada. Era ela! Acompanhada de mais 4 ciclistas, chegou Margot, com um braço na tipóia e o outro no guidão. Margot, que muitos diriam ter idade demais pra essas estripulias entregou a todos nós de bandeja, em um dia e ao vivo mais inspiração e exemplo que muitos de nós podem proporcionar aos outros em toda uma vida. Foi um privilégio e uma honra dividir a estrada com ela. Margot, quando eu crescer quero ser forte como você! Um forte abraço e obrigado pela lição de vida.
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Eduardo
Veja as fotos em:
http://picasaweb.google.com.br/edubenhar/AudaxRandonne200POA?feat=email#
E para ver outras fotos e um emocionante vídeo da largada visite
www.sociedade.audax.org.br

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